domingo, 22 de novembro de 2009

RESENHA SOBRE O LIVRO “NUNCA LHE PROMETI UM JARDIM DE ROSAS” DE HANNA GREEN E RELATO DE EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO EM HOSPITAL PSIQUIÁTRICO

ESCRITO POR: CRISTINA ALVES ROCHA
NOVEMBRO/2009


O livro se trata do relato da experiência de internação em um hospital psiquiátrico vivenciada por Deborah, uma adolescente de 16 anos que vem passando por um longo processo de sofrimento e progressiva alienação mental. A autora retrata de forma detalhista e impressionantemente realista sobre a vida, a patologia e os sintomas dessa jovem psicótica, incluindo a visão dos familiares e também a visão das outras internas que conviviam com ela no hospital. Hannah Green expressa em sua narrativa uma análise meticulosa da psicose por meio da psicoterapia, levando o leitor a experienciar os mundos riquíssimos, porém conflitantes de Deborah. O mundo exterior é representado por sua família, na qual ela não se sente efetivamente como parte integrante, sentindo impossibilidade de participar da mesma devido aos conflitos decorrentes dos relacionamentos que foram estabelecidos com base em preconceitos arcaicos, tanto com a família (por exemplo, seu avô que não gostava de mulheres), quanto com os amigos da escola e dos acampamentos que freqüentava (que a hostilizavam por ser judia). Já em seu mundo interior no qual ela se refugia, povoado por seres místicos, cósmicos e extraordinários, ela vivencia a possibilidade de ser opor à realidade do mundo exterior que é sentida por ela como custosa para se viver. O livro foca no conflito entre esses dois mundos e sua fuga gradativa para o seu mundo interior, o mundo de Yr.
A autora tem uma narrativa ampla, que engloba os diversos aspectos da patologia, apontando também para os questionamentos da psiquiatra durante o tratamento, bem como suas evoluções e retrocessos, articulando os sintomas com a etapa de desenvolvimento em que a menina se encontra, ou seja, considerando os problemas e as mudanças típicas da adolescência, vivenciadas por Deborah.
Ao longo da nossa trajetória como estagiários do Hospital Psiquiátrico Jardim das Acácias, vimos muitos casos como o de Deborah, e o livro me auxiliou na compreensão do que vem antes e se sobrepõe à doença: o ser - humano. O contato com a realidade do hospital me possibilitou uma aprendizagem muito rica e com o auxílio do livro consegui desconstruir por completo a imagem tradicional relacionada à da loucura. Me dei conta de que se faz necessário um envolvimento profundo com o ser humano em sofrimento, considerando como um ser biopsicossocial, ou seja, levando em conta tanto o biológico quanto sua história de vida e contexto social.
Através do contato com os internos do hospital, percebi que não existe um grande distanciamento entre o normal e o patológico, porém no hospital a experiência e vivência da loucura se encontram ampliadas. Por meio das conversas informais e das oficinas de criatividade, eu tive a oportunidade de presenciar o que a médica de Deborah relatou no livro: “(...) a força criativa é suficientemente vigorosa e profunda para germinar e florescer apesar da doença”. Aprendi que a possibilidade de realizar trabalhos criativos para pacientes de saúde mental é muito importante pelo fato de que o ser patológico não é o ser humano em sua totalidade. O indivíduo é dotado de potencial, podendo assim estar em crise mas não se torna a crise personificada. Os trabalhos criativos auxiliam de diversas formas, entre elas auxiliam a potencializar as capacidades inerentes do sujeito, fazem com que o interno, ao produzir, eleve sua auto-estima, rompendo com a imagem do louco como inútil, além de promoverem a comunicação através da interação do sujeito com o mundo externo e estimularem o indivíduo a buscar novas formas de satisfação, tanto no fazer quanto no sentir.
Também me dei conta através da leitura do livro que os pacientes muitas vezes se ferem e praticam a autoflagelação como uma tentativa de obter domínio sobre seu próprio corpo. Deborah, ao se dar conta da sua existência, a aceita de forma natural. Porém, quando tenta queimar-se novamente, desta vez para certificar-se de que pertence à humanidade, não consegue por não suportar a dor, que nos momentos anteriores de crise, parecia não existir. Deborah sentia que quanto maior sua solidão se tornava, maior era o espaço que Yr ia tomando em sua vida, servindo como alivio para a menina e contribuía para um sentimento de não pertencer àquele mundo cruel que a machucava. Dessa forma, relacionando aos internos do hospital psiquiátrico, podemos dizer que eles se mutilam para buscar uma confirmação de sua distância do mundo exterior. Reforço ainda o pensamento de que devemos enxergar o paciente psiquiátrico como uma pessoa que se depara com uma série de incoerências em sua vida que não compreende, e nosso dever enquanto profissionais de saúde é o de resgatar seus aspectos humanos.
. Já no primeiro semestre desse ano letivo, nós, alunos da UNIP, nos deparamos com a “falta de loucura” dos pacientes e com o nível razoável de coerência que possuíam. Inicialmente nos sentimos surpresos pelo fato de nos colocarmos no mesmo lugar dos pacientes, de vermos que poderíamos estar na mesma situação que eles. Porém, no segundo semestre, eu já não me sentia surpresa, pois suspendi de uma vez por todas a idéia do senso comum acerca da loucura, tendo me relacionado com os pacientes da mesma forma que me relaciono com qualquer pessoa, esquecendo muitas vezes até de que se tratava de “loucos”.
Por meio da reflexão sobre a experiência, sinto que a transformei fui transformada por ela. Cheguei à conclusão de que um olhar exclusivamente clínico acarretaria na perda da experiência humana do contato. Em um primeiro momento, não foi necessário me preocupar com diagnósticos, pois esse distanciamento inicial da teoria me possibilitou um desligamento dos rótulos e da forma estigmatizada de enxergar os pacientes.
Por fim, creio que o conhecimento que eu obtive ao término do estágio foi amplo e gratificante. Hoje sei que é necessário o exercício constante da escuta do ser humano em sofrimento psíquico que espera por ajuda. É preciso sempre levar em conta que o paciente é uma pessoa que possui uma história de vida e uma identidade. O “louco” nada mais é do que um ser humano que reage em um determinado contexto, um ser complexo, biopsicossocial e multideterminado. Os internos em hospitais psiquiátricos devem ser respeitados como seres humanos e nosso trabalho é ir além do diagnóstico lidando com as peculiaridades, escutando e caminhando junto ao paciente. Dessa forma, é importante resgatar os aspectos humanos do sujeito que se encontra em uma situação patológica e romper com preconceitos, ideologias e idéias cristalizadas socialmente no decorrer da história.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GREEN, H. Nunca lhe Prometi um Jardim de Rosas (4ª Ed). Coleção Romance e Psicanálise. Imago, Rio de Janeiro - RJ. 1993.